Cannabis: Ciência em vez de Ideologia
A cannabis é frequentemente discutida em extremos: para uns, é uma substância inofensiva ou terapêutica; para outros, é perigosa e prejudicial. A evidência científica atual permite-nos construir um retrato mais equilibrado e afastado desses extremos.
Para além das opiniões divergentes, existe evidência sólida. Neste texto, apresento o que a ciência nos diz hoje sobre a cannabis — nos seus riscos, potenciais benefícios e limites.
Cérebro e Cognição
A investigação é consistente:
O uso ocasional tem poucos efeitos mensuráveis.
O uso regular ou pesado está associado a défices moderados de memória e aprendizagem.
Em adultos, muitos destes défices melhoram após semanas ou meses de abstinência.
Uma nuance importante:
Em consumidores pesados que iniciam na adolescência, alguns défices podem persistir mesmo após longos períodos de abstinência. O THC interfere em recetores de glutamato e na plasticidade sináptica do hipocampo, afetando o desenvolvimento cerebral.
Resumo: O cérebro adulto tende a recuperar; o cérebro adolescente é mais vulnerável a efeitos duradouros.
Saúde Mental
O risco de sintomas psicóticos aumenta com:
consumo frequente,
produtos com alto teor de THC,
início precoce,
predisposição genética.
Em pessoas sem vulnerabilidade, o risco é muito menor, embora não nulo. A evidência sobre ansiedade e depressão é heterogénea: alguns estudos apontam associações, outros não.
Resumo: O risco não é uniforme e concentra-se sobretudo em quem consome cedo, muito e com vulnerabilidade prévia.
Uso Médico
Apesar do entusiasmo generalizado, apenas algumas indicações têm evidência sólida.
Com melhor suporte científico:
Epilepsia refratária (com CBD), sustentada por ensaios clínicos robustos.
Dor crónica, espasticidade na esclerose múltipla e náuseas induzidas por quimioterapia.
Com evidência mais limitada:
Insónia, onde os dados são maioritariamente observacionais.
Resumo: O CBD tem aplicações médicas comprovadas; o THC tem utilidade, mas a evidência é mais moderada.
Risco Cardiovascular
Estudos recentes mostram maior risco de enfarte, arritmias e AVC, sobretudo nas horas após o consumo. Isto deve-se aos efeitos agudos do THC:
aumento da frequência cardíaca,
subida da pressão arterial,
maior exigência de oxigénio pelo músculo cardíaco.
Para quem tem doença coronária subjacente, estes efeitos podem ser críticos.
Resumo: A cannabis não é neutra para o coração, especialmente em uso frequente ou em pessoas com fatores de risco.
Pulmões e Sistema Respiratório
Fumar cannabis está associado a:
tosse crónica,
aumento de muco,
sibilância,
irritação das vias aéreas.
A ligação à DPOC, típica do tabaco, é menos clara. O co-uso com tabaco dificulta a interpretação de muitos resultados.
Resumo: Fumar cannabis irrita os pulmões, mas não replica o padrão de dano severo do tabaco.
Condução e Segurança Rodoviária
O THC prejudica o tempo de reação, a atenção e a coordenação.
Estudos populacionais observam um aumento moderado de acidentes fatais após a legalização em alguns países.
Resumo: Conduzir sob efeito de cannabis reduz a segurança, mesmo em utilizadores habituais.
Cancro
A evidência indica:
risco baixo ou incerto para a maioria dos cancros,
possível aumento em tumores testiculares e urológicos entre consumidores pesados.
Resumo: A associação existe, mas é específica e muito menos marcada do que a observada com o tabaco.
Adolescentes
O cérebro adolescente é particularmente sensível ao THC. O consumo precoce pode:
alterar trajetórias de desenvolvimento cerebral,
agravar défices cognitivos,
aumentar o risco de psicose.
Resumo: É o grupo onde os riscos são mais elevados.
Dependência
A perturbação de uso de cannabis é real:
entre 10% e 30% dos consumidores desenvolvem dependência,
o risco é maior com uso diário, produtos de THC elevado e início precoce.
Resumo: A cannabis pode gerar dependência, embora menos intensa do que outras substâncias.
Saúde Reprodutiva Masculina
Os estudos indicam:
redução temporária da contagem de espermatozoides,
diminuição da motilidade,
possíveis associações com tumores testiculares em consumidores intensivos.
Resumo: Há impacto mensurável na fertilidade, sobretudo com consumo frequente.
Um Retrato Realista da Cannabis
A evidência científica mostra que a cannabis não é nem inofensiva nem catastrófica. Como qualquer substância psicoativa, o seu impacto depende da dose, da frequência, da idade de início e da vulnerabilidade individual.
Para a maioria dos adultos, o uso pontual apresenta poucos riscos. Já o consumo frequente, especialmente quando iniciado cedo, pode trazer consequências reais para a cognição, o coração, a saúde mental e a condução.
O desafio não é assustar nem romantizar: é compreender o que a ciência sabe hoje e tomar decisões informadas. Os riscos são determinados pelo contexto, pela potência e pela idade de início. Informação sólida continua a ser a melhor ferramenta para escolhas conscientes.
Fontes:
UK Medical Cannabis Registry: A clinical outcomes analysis for insomnia
A population-level analysis on the association of cannabis use and urologic cancers
Cannabis use and risk of psychotic or affective mental health outcomes
Cardiovascular risk associated with the use of cannabis and cannabinoids
Association of Cannabis Use With Cardiovascular Outcomes Among US Adults
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