Garrafas de Vidro contêm mais Microplásticos do que Garrafas de Plástico
Em junho de 2025, um estudo da agência francesa ANSES surpreendeu ao revelar que bebidas engarrafadas em vidro continham, em média, 118 partículas de microplásticos por litro — valores 5 a 50 vezes superiores aos encontrados em embalagens de plástico ou lata.
Mas atenção: a contaminação não vem do vidro em si, que é um material estável e inerte. A origem mais provável são as tampas metálicas, revestidas com polímeros que podem libertar partículas devido à fricção durante o transporte e armazenamento.
Este dado, embora contraintuitivo, não invalida o vidro como a opção mais segura para armazenar alimentos e bebidas. Continua a ser um material inerte, reciclável e livre de compostos tóxicos como o Bisfenol A (BPA).
Mas o estudo da ANSES serve como um alerta: até nas escolhas mais cuidadas, a contaminação pode surgir onde menos esperamos.
A verdadeira preocupação não é se o vidro ou o plástico têm mais microplásticos. É que os nossos próprios corpos estão a tornar-se repositórios dessa poluição invisível.
Microplásticos: a nova poluição interna
Nos últimos anos, a ciência tem vindo a detetar micro e nanoplásticos em locais impensáveis do corpo humano:
Em 2024, investigadores encontraram microplásticos em 100% dos testículos humanos e caninos analisados, com correlação entre a presença de partículas e a redução da contagem de espermatozoides e do peso testicular.
Em 2023, um estudo identificou microplásticos no sémen humano, sugerindo impacto direto na fertilidade masculina.
Outro trabalho revelou partículas de plástico no cérebro de cadáveres humanos, confirmando que conseguem atravessar a barreira hematoencefálica — algo que se pensava ser altamente protetor.
Desde 2021 sabemos, graças a uma equipa italiana, que a placenta humana também pode conter microplásticos, fenómeno batizado de Plasticenta. A exposição começa antes de nascermos.
Estes estudos não são casos isolados: a acumulação de plástico no corpo humano está a ser cada vez mais documentada — e preocupa investigadores, médicos e toxicologistas em todo o mundo.
Porque é que isto importa?
Os plásticos não são apenas partículas inertes. Muitos transportam aditivos químicos tóxicos, como:
Bisfenol A (BPA) — conhecido disruptor endócrino, afeta a função hormonal, o desenvolvimento fetal e a fertilidade.
Ftalatos — associados a alterações metabólicas, desequilíbrios hormonais e disfunção tiroideia.
Uma revisão científica recente demonstrou que a exposição a micro e nanoplásticos pode afetar o sistema reprodutor, o metabolismo e o desenvolvimento cerebral em mamíferos, mesmo em doses reduzidas.
Num estudo feito nos Emirados Árabes Unidos, garrafões de água reutilizáveis em policarbonato libertaram valores mensuráveis de BPA, com potenciais riscos em exposições prolongadas.
E a ciência continua a evoluir: com novas tecnologias, como a microscopia Raman estimulada (SRS), é agora possível detetar nanoplásticos com dimensão inferior a 100 nanómetros, que antes escapavam à maioria dos métodos convencionais.
E se for impossível escapar?
É importante reconhecer que o plástico tem um papel real e, por vezes, insubstituível em setores como a medicina, a indústria alimentar e a distribuição global de bens.
Substituí-lo por alternativas como vidro ou aço pode aumentar os custos e as emissões associadas ao transporte — e isso levanta desafios complexos.
Ainda assim, é possível e urgente reduzir a exposição desnecessária, sobretudo em produtos de contacto direto com alimentos, bebidas e a pele.
O que podemos fazer?
Em vez de cair num alarmismo paralisante, aqui ficam ações práticas:
Evitar calor e plástico juntos — não aquecer alimentos em plástico, evitar deixar garrafas de água ao sol ou no carro.
Preferir vidro com rolhas naturais ou aço inoxidável, especialmente para armazenar líquidos quentes ou ácidos (como limonadas ou café).
Evitar cosméticos com microplásticos — como esfoliantes com microesferas ou maquilhagem com “polyethylene”.
Usar roupa natural sempre que possível — algodão, lã, linho — para reduzir a libertação de microfibras sintéticas na lavagem.
Quanto plástico existe dentro de ti?
A pergunta já não é “se usamos demasiado plástico”.
A pergunta é: quanto plástico já carregamos dentro de nós?
A ciência ainda está a estudar os impactos a longo prazo, mas os sinais são preocupantes — e quanto mais cedo agirmos, melhor.
Porque esta poluição já não é só ambiental.
É biológica.
E está dentro de nós.
Fontes:
Glass bottles found to contain more microplastics than plastic bottles
Detection and characterization of microplastics in the human testis and semen
Plasticenta: First evidence of microplastics in human placenta
Bisphenol-A Leaching from Polycarbonate 5-Gallon Water Bottles in the UAE: A Comprehensive Study
Rapid single-particle chemical imaging of nanoplastics by SRS microscopy
Shorts:
Tweets: