O Lado Biológico da Mudança de Hora: Sono, Ritmo e Saúde
A mudança de horário (Daylight Saving Time, DST) é a prática de adiantar os relógios uma hora na primavera e atrasá-los no outono, para aproveitar melhor as horas de luz natural.
Não cria horas de sol a mais — apenas desloca quando é que o dia começa e acaba em relação ao relógio.
Como surgiu
A ideia tem raízes antigas, ligadas a ajustes sazonais de horários, e até referências humorísticas de Benjamin Franklin no século XVIII.
Mas a proposta moderna surgiu no final do século XIX e foi adotada em vários países durante a Primeira Guerra Mundial, como forma de poupar energia.
Desde então, a prática foi sendo alterada em diferentes momentos por razões económicas, políticas e sociais.
Porque se muda a hora
Historicamente, o objetivo era reduzir o consumo energético em tempos de guerra ou crise, e adaptar as horas de trabalho à luz disponível.
Hoje, porém, os ganhos energéticos são cada vez mais discutíveis.
Em contrapartida, os custos para a saúde, o sono e a segurança têm ganho destaque nas discussões científicas e políticas.
A União Europeia chegou a votar, em 2019, o fim das mudanças sazonais, mas a decisão ficou suspensa enquanto os Estados-Membros não chegarem a consenso sobre qual horário adotar de forma permanente.
Impactos na saúde e bem-estar
Sono e ritmos circadianos
A mudança da primavera, em que perdemos uma hora de sono, é a mais disruptiva a curto prazo: provoca privação aguda e desalinhamento do relógio biológico, o que se traduz em cansaço, sonolência matinal e menor concentração.
Já a mudança do outono, embora pareça “benéfica” por oferecer uma hora extra, pode também afetar o ritmo circadiano e o humor — especialmente pela redução da luz matinal e o encurtamento dos dias, que influenciam a regulação da melatonina e da serotonina.
Risco cardiovascular
Vários estudos associam a transição para a hora de verão a um aumento temporário de enfartes do miocárdio nos dias seguintes, refletindo a sensibilidade do corpo a pequenas perturbações do sono e do ritmo circadiano.
Embora o risco não seja o mesmo no outono, há evidência de que a irregularidade crónica nos horários sociais pode agravar problemas metabólicos e cardiovasculares ao longo do tempo.
Acidentes rodoviários e mortalidade
Os dados mostram um aumento de acidentes, incluindo fatais, logo após a mudança de primavera — provavelmente devido à sonolência e à diminuição da atenção. No outono, a maior escuridão nas horas de ponta da tarde também parece contribuir para um ligeiro aumento de atropelamentos.
Saúde mental e rendimento
As mudanças de hora, sobretudo a de outono, estão associadas a piora do humor e a um aumento de sintomas depressivos, em parte pela menor exposição à luz natural. Também se observam variações sazonais no desempenho cognitivo e no bem-estar emocional, com mais queixas de cansaço e falta de motivação.
O que dizem os especialistas e as organizações de saúde
Diversas organizações de sono e saúde pública recomendam o fim das mudanças sazonais e defendem a adoção de um horário fixo durante todo o ano.
Entre as opções, há consenso crescente a favor do horário padrão permanente (standard time), por estar mais alinhado com o ciclo solar e com a fisiologia do corpo humano.
O horário de verão permanente, apesar de ser a opção politicamente mais popular em alguns países, é o menos recomendado pelos especialistas em cronobiologia.
Ao atrasar o nascer do sol no inverno, mantém o corpo em constante “jet lag social”, com consequências negativas para o sono, o humor e a saúde metabólica.
Mudar a hora tem um custo
A mudança de horário não é apenas um incómodo prático — tem custos reais e documentados para o sono, a segurança e, possivelmente, para a saúde cardiovascular e mental.
A discussão política está em aberto, mas a ciência é clara: o corpo humano funciona melhor quando os horários sociais estão alinhados com o ciclo natural da luz.
Enquanto não houver uma decisão coordenada, continuaremos a ajustar os relógios — e a pagar um pequeno preço em bem-estar nas semanas seguintes.
Fontes:
Changing to daylight saving time cuts into sleep and increases workplace injuries
The effects of daylight saving time and clock time transitions on sleep and sleepiness:
Daylight saving time can decrease the frequency of wildlife–vehicle collisions
Daylight-Saving Time & Health: A Systematic Review of Beneficial & Adverse Effects
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