Vivemos à Procura de Soluções Fáceis — mas a que custo?
Vivemos numa época em que tudo precisa de uma solução rápida — da dor de cabeça à falta de motivação. Um comprimido promete foco, outro energia, outro calma.
Mas o que acontece quando começamos a resolver com química aquilo que talvez precisasse apenas de tempo, descanso ou mudança de contexto?
O caso de um rapaz que tomou medicação para TDAH durante uma década e deixou de se reconhecer sem ela levanta uma questão desconfortável: será que estamos a confundir tratamento com adaptação a um mundo que já não é humano?
TDAH: o que é, afinal?
O Transtorno de Défice de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um diagnóstico neuropsiquiátrico caracterizado por desatenção, impulsividade e, em alguns casos, hiperatividade.
Afeta cerca de 5 a 7% das crianças e 2,5% dos adultos, segundo a American Psychiatric Association e a World Health Organization.
A ciência mostra que há diferenças reais na atividade cerebral de pessoas com TDAH, especialmente nas áreas ligadas à dopamina — o neurotransmissor da motivação e do prazer.
Daí o uso comum de medicamentos estimulantes, como o metilfenidato (Ritalina, Concerta) ou as anfetaminas (Adderall nos EUA), que aumentam a disponibilidade de dopamina e noradrenalina.
O problema é que a fronteira entre “tratar uma condição real” e “melhorar o desempenho num mundo hiperexigente” tornou-se cada vez mais ténue.
O risco da medicação sem reflexão
Estudos mostram que a medicação pode melhorar temporariamente a concentração e reduzir a impulsividade .
Mas também há riscos: tolerância, dependência psicológica, ansiedade, insónia, perda de apetite, entre outros efeitos colaterais.
Mais grave ainda é o impacto psicológico a longo prazo:
Quando alguém cresce a depender de uma substância para funcionar, pode sentir que sem ela “não é ninguém”.
De certa forma, o cérebro habitua-se a um “modo químico” de operar, e desligar esse modo pode abalar profundamente a identidade e a autoconfiança.
Vivemos numa sociedade dopaminérgica
O neurocientista Daniel Lieberman chama-lhe “a tirania da dopamina”.
Vivemos num mundo feito para a gratificação imediata: notificações, likes, cafés fortes, séries em maratona — e, claro, comprimidos que prometem foco instantâneo.
Num ambiente assim, a linha entre o tratamento médico e o alívio rápido da frustração humana fica cada vez mais difusa.
Em vez de adaptar o ambiente às pessoas, tentamos adaptar as pessoas ao ambiente — quimicamente.
E se o “problema” não for o cérebro, mas o contexto?
Há décadas, o psicólogo Peter Gray (Boston College) alerta para o papel do sistema escolar e laboral no aumento dos diagnósticos de TDAH.
Crianças curiosas, criativas e cheias de energia acabam vistas como “problemáticas” num modelo que valoriza silêncio, conformidade e tarefas repetitivas.
Em adultos, a pressão constante para estar produtivo e focado faz com que o cansaço, a distração e o desinteresse — respostas humanas normais — sejam medicalizadas.
O equilíbrio possível
Isto não significa que a medicação não tenha lugar — tem, e muitas vezes muda vidas.
Mas é essencial acompanhar o tratamento com terapia, mudanças de estilo de vida e autoconhecimento.
Sono, exercício físico, alimentação equilibrada e ambientes com menos distrações têm impacto comprovado na regulação da atenção e da dopamina.
Mais do que “curar” o TDAH, o objetivo deveria ser compreender o cérebro e criar condições onde ele possa funcionar naturalmente bem.
Entre a produtividade e a humanidade
O vídeo daquele rapaz é um espelho do nosso tempo:
Queremos ser produtivos, eficientes, focados — e esquecemo-nos de ser humanos.
A verdadeira pergunta talvez não seja “devemos medicar o TDAH?”, mas sim:
Porque é que o mundo em que vivemos tornou tão difícil estar simplesmente presente, curioso e atento sem ajuda química?
Fontes:
Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder Medications and Long-Term Risk of Cardiovascular Diseases
A Growing Number of Americans Report Taking Prescription Medications Daily
Europe Prescription Drugs Market Size, Share, Trends, & Industry Analysis
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